Sacadura Cabral
no Século da Travessia do Atlântico Sul,
Fernando António
Carvalho Rodrigues
Nasceu na Beira Serra, em Celorico da
Beira, a 23 de Maio de 1881. Tinha dez Irmãos. O Pai morrera cedo e Ele era
Beirão.
Com vinte anos ousa fazer o levantamento
do Rio Espirito Santo em Moçambique. O
rigor na medida era a de um Beirão. No Observatório de Lisboa causou admiração.
Em 1915 voava. A Armada encarrega-o de
organizar a Aviação Naval. Em 1919 ousa dar um novo destino aos métodos de
navegação. Uns Americanos vieram de uma praia do Estado de Nova Iorque até à
Torre de Belém mas foram apoiados por 21 navios da Marinha de Guerra Norte
Americana, colocados de 60 em 60 milhas emitindo sinais de luz e de rádio para
orientação dos aparelhos. Ou seja sem navegação autónoma.
Em 1922 com o seu ousar dar destino e o
rigor na medida, leva a reboque Gago Coutinho com um novo sistema de navegação.
Sacadura Cabral era Beirão. Ambos atravessaram pelo ar com navegação autónoma
de Lisboa ao Brasil.
Saíram da vizinhança da Torre de Belém a
30 de Março de 1922.
Deixa-se aclamar. Gago Coutinho gosta
muito. Sacadura Cabral era Beirão. E sabe que Portugal pode ser o pioneiro, o
primeiro a dar a volta ao mundo a voar. Ele tinha o sistema de navegação
adequado. Preciso. Em Abril de 1923 começa a Via Sacra. Teve uma estação em
cada Ministro com quem falou, em cada um de todos os que sabem porque ouviram
dizer. Sacadura Cabral era da Beira Serra e aqui, por aqui a vida ensina que só
sabe quem já fez...os outros, ouviram dizer. Na Pátria são quem toma,
empatando, o tempo. Não é o dinheiro o mais mal distribuído, é o tempo.
Convictos que sabem por ter ouvido dizer alimentam-se de tempo. Os que ousam
dar destino acabam, sempre por pouco, a ver Portugal chegar atrasado. De facto
os Americanos anteciparam-se na volta à Terra.
Foram e mandaram-no a correr arranjar
aviões. A 15 de Novembro de 1924 o céu torna-se mar. Dizem os Beirões que o mar
não tem cabelos. Mas Sacadura Cabral sempre soube esperar. Nesse dia veio-lhe a
Eternidade. Os que sabem de tudo de por terem ouvido dizer ficaram
palavrosamente elogiadores.
E Sacadura Cabal é da Beira Serra.
Tinha da Beira, a forte, a feia, a fria,
uma estatura média. Era como a maior parte da gente da sua Terra. Esse Homem
sem propriamente nome e sem vaidade, reservado, calmo. Tranquilo, esclarecido
para chegar até ao simples e rigoroso que é solução de problemas. Teve enormes
contrariedades, teve grandes sucessos. Foi-os sofrendo ou disfrutando calmo e
natural. Era simples, vulgar e quantos puderam louvavam-se daquilo que ele
tinha sido autor. Tinha esse prazer de se ocultar. Revelava-se apenas pelas
ações. Poucos ou nenhuns o conheciam. E assim como todos os da Beira Serra era
de poucas palavras. Por isso ele era sempre o que não era. Tinha Coração dentro
do peito. Talvez de Leão com um pouco de mel misturado onde lhe derramavam
fel.
Sacadura Cabral esse Homem que Deus
haja, já não sei se morreu ou não.
Sei que a trinta de Março de 1922 voou,
navegando por si, por cima das espumas brancas a desfazer-se no mar até ao
Brasil. Assim como as da neve que viu
primeiro tão brancas nas ondas da Serra lá para as bandas de Celorico da Beira.
Casal de Cinza, 28 de Março de 2022
P.S. Fernando Pessoa em Dezembro de 1924 escreveu-lhe um
poema:
SACADURA CABRAL
Fernando António Pessoa
No frio mar do alheio Norte,
Morto, quedou,
Servo da Sorte infiel que a sorte
Deu e tirou.
Brilha alto a chama que se apaga.
A noite o encheu.
De estranho mar que estranha plaga,
Nosso, o acolheu ?
Floriu, murchou na extrema haste;
Joia do ousar,
Que teve por eterno engaste
O céu e o
mar.
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