quinta-feira, 18 de março de 2021

Que Futuro para a Humanidade - Fernando Carvalho Rodrigues

 


Que futuro para a Humanidade?


- Fernando Carvalho Rodrigues -


Professor Catedrático Emérito do Instituto Superior Técnico, responsável máximo pelo PoSAT 1, primeiro satélite português


    Em ciência, mesmo quando não se sabe a essência, agarra-se um número à existência. Esse número resulta de uma medida. Em cima do número que expressa a medida fazem-se operações de aritmética. Quando os seus resultados coincidem com o que se mede, quando se dá a transformação, dizemos que temos uma explicação. Algumas vezes repete-se tanto e em circunstâncias tão variadas que passamos a chamá-las de Leis. Temos vindo a construir uma ciência com Leis. O que de facto temos são representações da realidade como as sensações e as perceções. Quando ajudadas por máquinas, chamamos de realidade aumentada.         Tem-nos sido muito útil este método. Depende, no entanto, de algo de que outra vez não sabemos a essência, mas sabemos pôr-lhe um número em cima utilizando relógios. Medimos então o tempo. Para o fazer, primeiro temos que o transformar em espaço onde algo oscila regularmente. Uma sombra da luz do sol. Um átomo ou núcleo que vibre. Nessas medidas de tempo temos núcleos de átomos que vibram 1019 vezes por segundo. 1019 Hertz. Moléculas 1015 Hz. Bactérias sem as quais não teríamos boa saúde com ciclos de dez minutos (600 segundos). O ciclo lunar com um milhão de segundos e o solar com cem milhões de segundos; são tudo frequências, vibrações que temos que manter com cada uma a entrar a seu tempo. Quer então dizer que cada um de nós tem que fazer, em termos musicais, 87 sentido com pelo menos noventa e oito oitavas. Bastante mais que a cinco (seis) oitavas de uma ópera sublime. Para dar o início dos tempos e para dar entrada às vezes de cada instrumento arranja-se um Maestro. Antes de dar o instante do princípio o som que resulta da orquestra é caótico. Até eu que não sei tocar qualquer instrumento poderia lá estar a fazer o barulho que quisesse e como me aprouvesse. Mas, depois do Maestro dar o início dos tempos tinha que desaparecer. A partir do início dos tempos o bem de um é o bem de todos. Se algum entrar fora de tempo ou desafinar a orquestra foi má, porque a partir do início o mal de um também é o mal de todos. É uma medida das coisas que estejamos numa sala de ópera de 5 ou 6 oitavas. Precisamos de um Maestro. A vida tem que dar a entrada das vozes e garantir que cada uma está afinada para pelo menos noventa e oito oitavas. Também é curioso que o Maestro em frente da orquestra, logo que começa, entra, bate com a batuta o Início dos tempos depois permanece em silêncio. Os Maestros são assim: dão o início dos tempos, o momento das entradas das vozes e depois entram em silêncio. Para o Maestro tempo presente e tempo passado estão, ambos, talvez, no tempo futuro e o tempo futuro contido no passado.

José Saramago em 1969 deixou um pequeno poema de que muito pouco se fala:

 “De mim à estrela um passo me separa

Lumes da mesma luz que dispersou

Na casual explosão do nascimento,

Entre a noite que foi e há-de ser,

A glória solar do pensamento.”

    

Está em cada um de nós a paz da luz e a violência das estrelas. Vamos fazendo a vida no intervalo entre a fraternidade e o fratricídio. Nunca passamos por onde estivemos nesse constante mudar, neste fluxo e mudança acontecem mutações. Charles Darwin reconheceu que este fluir e estas mutações davam lugar a variedade e escreveu ”On the origins of species by means of natural soluction or the Preservation of favoured races in the struggle for life”. O método de evolução a la Darwin é simples: prevalece o mais adaptado. Todas as medidas, todas as estatísticas fornecem dados que o confirmam. No entanto em 1902, Principe Pyotr Alexeyvich Kropotkin escreveu um livro que quase se desconhece e certamente que não é ensinado: “Mutual Aid: A Factor of Evolution”. Kropotkin aceitou como um método o de Darwin. Acrescentou, Darwin tem uma explicação quando diz que ganha o mais adaptado. Mas todos sabemos que uma espécie, qualquer espécie tem tanto mais sucesso quanto os seus seres individuais cooperarem entre si. A cooperação é então o método mais avançado de evolução. Em 1950, John Forbes Nash Jr., que inspirou a personagem central no filme “Beautiful Mind” (Mente Brilhante), detentor da medalha Fields de Matemática e Prémio Nobel provou o Teorema que leva o seu nome: “Equilibrio de Nash”. O que a matemática provou é que prevalece quem apesar de interesses divergentes for capaz de cooperar entre si, isto é, prevalece a espécie que estando cada um adaptado sejam os seus seres individualmente capazes, mesmo com interesses muito diferentes de continuar a cooperar entre si. Não sei porque nem Kropotkin nem Nash são ensinados.

    Mas pela conjunção da evolução a la Darwin, a la Kropotkin, a la Nash quando acordados, ou calculamos o futuro ou informamos a curiosidade.

    A informação, ou melhor, dados sempre nos chegam com ritmos muito diferentes. Rumores que duram horas, semanas, no máximo meses, slogans que ficam por uma geração. Mitos enquanto dura uma cultura. Concepções sagradas, milénios. A estas vieram juntar-se as geradas por máquinas que vêm e vão em microssegundos, minutos se houver intrusão física e mesmo destruição em segundos.

    No cálculo do futuro está-nos vedado saber ou sequer distinguir entre o que foi planeado e o que está destinado. Acontece esta indecisão. Talvez sejamos livres porque como seres subjugados só na indecisão escolhemos, construímos, concebemos uma nova porta e um futuro. No final o passado que entra e sai por uma nova porta.

    É válido para qualquer idade. Para hoje sermos ajudados nesta nossa reflexão vamos tomar idades do mundo, do mundo dos Seres Humanos como as sete de Shakespeare (Santo Agostinho já tinha encontrado cinco).

    A infância será um intervalo de tempo de dez anos. Cem a puberdade. Mil a juventude. Dez mil a da afirmação. Cem mil a de alguma sabedoria. Um milhão de anos a velhice. E para mais de um milhão de anos aquela em que aprendemos a morrer, morremos e começa de novo a idade onde passado, presente e futuro são o presente.

    Dez anos é tempo suficiente para educar, constituir família, começar um empreendimento. Dez anos é o limite de previsibilidade em política. O caminho das instituições ainda se pode antever. Em ciência, tecnologia e engenharia a mudança é muito rápida. Já não é só acelerada. A aceleração das modificações é ela própria acelerada. Fazemos máquinas a quem damos poder e métodos de reprodução, claro que ao contrário dos nascidos, as máquinas não reproduzem a mesma máquina, fabricam outras. Basta ver uma máquina de injecção de plástico. E quer Darwin, quer Kropotkin, quer Nash estão nos seres fabricados. Habitam connosco os nascidos, os fabricados e alguns que são em parte nascidos e em parte fabricados. Basta, nos dias que agora passam, olhar para o sistema de cuidados intensivos.

    Nós os nascidos somos de carbono. Eles os fabricados são de silício. Temos fluxos de consciência muito diferentes. Nós temos acesso aos acontecimentos cerebrais. Mas ao nosso estado mental não. Não sabemos que neurónios estão ligados activamente e os que não estão, nem como e quando se ligam. Os seres do silício têm acesso ao seu estado mental. Sabemos que transístores estão ligados a quais, quando, onde. O estado cerebral está-lhes negado. Para quem quiser vale até a pena ver as diferenças que há nas propriedades e nos estados de sensações, pensamentos, objectivos, desejos, para os nascidos e para os fabricados.

    Nós nascidos Humanos seremos nove mil milhões (9×109). Os fabricados, os transístores vão ser 1.5×1018. Ou seja: por cada nascido haverá 1,5 milhar de milhões de seres fabricados. E, os fabricados também serão os mais adaptados, os mais cooperantes que vão aumentar de complexidade, isto é, cada vez estarão ligados em maior número e vão funcionar com o menor número de dados, ou seja, com simplicidade.

    Já hoje damos aos seres fabricados prerrogativas que só os nascidos tinham. Conferimos para os não-Humanos (fabricados) muito do nosso conhecimento. Também os fabricados contribuem para o incremento do que sabemos e nós os nascidos passamos a fazer novas tarefas. Os não-humanos (fabricados) proliferam e constituem a linha do horizonte. Urdem e tecem o tecido onde novas sociedades estão a emergir. O ciberespaço é um desse novo solo onde, por exemplo, conseguimos manter milhões de aviões sem risco de colisão. Mas já aconteceu que no dia 26 de Maio de 2010 os computadores tomaram em si, sem ser conduzidos por humanos, conta da bolsa e em vinte minutos destruíram setenta por cento do valor das companhias. Não foi notícia. Mas nesse dia os Nascidos, os Humanos tiveram que desligar os computadores (fabricados) andaram com a sessão da bolsa para trás e tomaram conta do processo. E as regras do mundo da bolsa onde vivem nascidos, fabricados e alguns seres em parte nascidos em parte fabricados são hoje mais “controladas”. Mas controladas é um verdadeiro, mas, quiçá talvez.

    Resultou de termos para representar a realidade, primeiro, descoberto o gesto, depois ou simultaneamente a fala, o verbo, e o primeiro entendimento do mundo é verbalizado, decorado, é dito e nasce em poesia. Durante bastante tempo foi assim. Mas houve uma altura em que o Desenho se lhes juntou. Meia dúzia de traços e é a Catedral de S. Pedro de Roma, a ponte, o avião, o etc. E começamos a fazer a pintura da pauta da música da voz. A definição poética do que é a escrita. Mas há quatrocentos anos a aritmética e a geometria que era um dos resultados da invenção do desenho começaram a busca da solução para encontrar a incógnita. Não tardou muito que o desenvolvimento de álgebra, a procura da incógnita desse na última forma que descobrimos para fazer modelos da realidade: a matemática.

    Hoje os seres nascidos, fabricados e nado – fabricados têm à sua disposição Gesto, Fala, Desenho e Matemática para ir por uma probabilidade no futuro. Durante a maior parte do século XIX até era a certeza de como ia ser o futuro. A incógnita estava sempre ao alcance daqueles métodos de representação do mundo.

    No entanto no século XX as maiores descobertas da ciência foram as dos seus limites. O primeiro foi que havia uma velocidade máxima na dinâmica: a velocidade de propagação da luz no vácuo. Com a descoberta dos quanta Heizenberg descobre que não é possível chegar à verdade pelo método experimental uma vez que o meio da medida interfere com o objecto a medir: o limite é o expresso no Princípio de Heizenberg. No início dos anos trinta do século XX mostra a ciência que a verdade não se alcança pela lógica porque a partir de proposições verdadeiras e usando regras válidas de lógica é possível chegar a proposições válidas sobre as quais não é possível saber se são verdadeiras ou falsas. A demonstração foi publicada por Codell em 1931. E a prova foi feita para proposições da princesa da matemática, isto é, para a aritmética. Em 1960 Lorenz descobre que o estado atual da solução de equações matemáticas de evolução (diferenciais) podem resultar de múltiplas condições iniciais. Ficou conhecida esta limitação, por caos ou teoria do caos que no fim quer dizer que a matemática que descreve fluxo, sistemas reais, não permite sabendo as condições iniciais saber com exatidão o que vai acontecer no futuro e vice-versa: o agora pode ter tido múltiplos começos.

    A técnica e a engenharia para criar fabricados e ajudar a vida dos nascidos tem sido vertiginosa. Hoje em que vemos individualmente átomos fazemos o design de moléculas como se faz o clássico Design. As capacidades de tratar doença, de incrementar cooperação e certamente que sairá descoberto o quinto processo de obter modelos da realidade que ultrapassarão alguns dos de hoje e encontrarão os seus próprios limites.

    É com esta nova população que iremos enfrentar cem anos. A Política é completamente imprevisível: As instituições começam a existir quando passam o centenário, a ciência, a tecnologia e a engenharia vão continuar a ter uma aceleração da aceleração que já tem.

    Há pouco mais de cento e cinquenta anos ao estudar como o calor ia de um corpo quente para um corpo frio houve uma surpresa. Nem todo o calor que a fonte quente podia dar ia para a fonte fria. E, não era só não ir. Era mesmo recusado. A perplexidade foi muito grande: Então, a fonte fria recusa parte do calor que a fonte quente lhe quer dar? Então há um calor que é aceite e outro que é rejeitado? Havia.

    Boltzmann colocou a hipótese de o mundo ser constituído por átomos e a energia de qualquer corpo ser a soma da energia de cada um dos átomos. Quando fez o modelo matemático verificou que vinte por cento dos átomos do ar que está na sala onde estamos representam oitenta por cento da energia total do ar da sala. Passado anos Pareto verificou que 20% dos donos das terras eram proprietários de 80% das terras. Zipf ao estudar literatura encontra outra vez que vinte por cento das palavras explicam oitenta por cento do texto em qualquer língua que se utilize. Mas não tardou que se constatasse que vinte por cento dos escritores produziram oitenta por cento dos livros que são lidos. Vinte por cento dos compositores, oitenta por cento da música que se ouve. Vinte por cento dos sites na web são os que oitenta por cento de nós procuramos. Vinte por cento dos Pintores pintam os quadros que oitenta por cento vemos. E o que se quiser em grandes números é sempre isto: vinte por cento/oitenta por cento. Não são sempre os mesmos que constituem os vinte por cento; mas, são sempre vinte por cento. Claro que a mesma proporção se aplica aos oitenta por cento. Daqui resulta que 4% explicam 64%. E como a lei se continua a aplicar aos sessenta e quatro por cento aí está que 0,8% digamos 1% detêm 50%. E um por cento dos jornalistas escrevem cinquenta por cento das notícias que lemos. Um por cento dos jornalistas na televisão são os que vemos cinquenta por cento das vezes que a vemos. Um por cento dos políticos produzem e influenciam cinquenta por cento da política. Um por cento dos Pintores são quem produziu cinquenta por cento dos Quadros que vemos. Um por cento dos sites da web concentram cinquenta por cento das buscas. Um por cento das compositores fizeram cinquenta por cento da música que ovimos. Etc.... Por isso não nos admiremos com a notícia muitas vezes repetida que 1% dos Humanos detêm 50% de toda a riqueza. Não são sempre os mesmos a estar no 1%, mas são sempre um por cento.

    No caso dos átomos do ar da sala onde estamos, Boltzmann percebeu que chocavam uns com os outros e assim transferiam energia entre si. Aqui também residia a explicação matemática para que a fonte fria se recuse a aceitar todo o calor que a fonte quente lhe quer dar. Na fonte fria há também uma quantidade menor, mas há de átomos com energias superiores a alguns da fonte quente. Esse calor rejeitado é a fonte da entropia.

    Ora a lei mais geral e permanente da física é que num sistema fechado a entropia cresce sempre. Quer dizer que esses sistemas nunca passam pelo mesmo estado duas vezes. Mais que se quiserem manter-se vivos, isto é, com entropia baixa têm que consumir energia do seu exterior e exportar para o ambiente à sua volta entropia. É por isso que nós precisamos da luz do nosso sol. A energia que vem do sol vem a baixa entropia. A entropia calcula-se dividindo a quantidade de calor pela temperatura. E o sol está a 5500 graus Kelvin. Durante o dia essa energia chega então com uma entropia que é a do calor que é enviado dividido por cinco mil e quinhentos. À noite o calor que veio do Sol tem que ser devolvido senão todos os dias a terra aquecia até não se poder aguentar. Durante a noite a não ser que haja nuvens, vapor de água, ou anidrido carbónico toda a energia é devolvida ao cosmos, mas com muito alta entropia. A energia que a terra radia durante a noite é a mesma que recebeu do sol durante o dia, mas devolve-a com uma entropia que é o mesmo calor dividido por 300, porque a temperatura da Terra é 300 graus Kelvin.

    É este diferencial de entropia que permite ao que vive continuar. Mas tem de estar preparado. É preciso que a fonte fria esteja em condições de receber tudo o que a fonte quente lhe quer dar. No caso da terra se a temperatura aumentar vai recusar mais calor que vem do Sol.

    É com esta diferença na qualidade de energia que os seres vivos fazem trabalho. Os seres inertes não o conseguem fazer.

    Mas se com átomos, moléculas tudo se vai passando sem sofrimento a Lei da Entropia Máxima quando envolve humanos é a fonte do conflito e a consequência ou a origem das três ameaças permanentes à humanidade: Guerra, Peste e Fome. A regra dos 20/80 ou 1/50 que são a mesma, requer a mudança dos que fazem parte dos 20 ou do 1 por cento. E isso gera luta, guerra e foi a razão para que a humanidade tenha gerado conhecimento envenenado. Na matemática da curva dos 20/80 ou 1/50 nós queremos fazer justiça social com os impostos. Reduzimos nos que são mais, mas têm menos. Aumentamos nos que sendo menos têm mais. Já é qualquer coisa, mas é ilusória. Esta regra só toca os que estão no meio do intervalo dos 20 que tem 80, ou seja, os 1 que têm 50 nem dão conta. E os oitenta por cento que têm vinte por cento e especialmente os noventa e nove por cento que ficam com os restantes cinquenta por cento nem sentem. Nos extremos os métodos de Justiça Social que sabemos aplicar atenuam, mas muito pouco o problema dos 20/80. É como o problema da exportação da entropia dos seres vivos para o ambiente (poluição).

    Temos que resolver o problema dos vinte/oitenta e lá nos vamos esforçando para encontrar os meios.

    Um é a ida para o cosmos de que somos materialmente filhos e foi perante um exórdio de Sua Santidade o Papa Pio XII para que se lançasse um satélite artificial em 1956 que aconteceu que a URSS pusesse no espaço em 1957: o Sputnik. Encontrámos, também, meios de enviar informação separada de comunicação. Primeiro com o telegrafo, hoje as estradas por onde circula informação e são como estradas no tempo, permitiram-nos muito bem-estar. Mas o homem é entrópico. E o método de substituição dos 20/80 ou dos 1/50 tem sido são sempre portadores de violência, de muito sofrimento, de muita morte para no final acabar outra vez em 20/80 ou 1/50. É uma espécie de malicia. De mal que gera conhecimento envenenado.

    À medida que o conhecimento foi aumentando o número de Humanos que têm que o deter para causar a destruição maciça do Homem é cada vez menor. Se chamarmos a esse número de coeficiente de extinção verificamos que começou com toda a Humanidade. Mas logo que apareceram os explosivos ainda requeria uma fracção considerável de todos nós. Mas quando temos modelos que representam com matemática a linguagem física do mundo inerte, um milhão de pessoas e uma economia média é capaz de produzir bombas nucleares. Armas químicas mil. E hoje, neste momento em que sabemos a linguagem química dos suportes à vida e começamos a soletrar a linguagem física expressa em matemática cem pessoas escolhidas temos capacidade para fazer armas biológicas.

    É um paradoxo que há medida que o conhecimento foi incrementando, o perigo também cresceu: a ciência não é boa; não é má; mas não é neutra. Fomos avisados logo no início do Genesis. Se comeres da árvore do conhecimento do bem e do mal por certo perecerás. Não diz conhecimento. Diz do conhecimento do bem e do mal. Mas os dos 20/80 ou 1/50 quase sempre se advogam ser portadores do conhecimento do bem e do mal. A agitação entre os estados poderosos do mundo, o conflito, o arranjar, fabricar causas para os justificar vêm só daquilo a que em política se chama a Nova Ordem. No fim a maior parte das vezes com sofrimentos colossais para a Humanidade, é para se estabelecer quem são os novos 1/50 ou 20/80 como se queira.

    Mas muito temos feito para aliviar a dor para que cada vez mais participem e cooperem. No princípio era difícil ir de uns até outros. No ano 311 A.D. o génio romano construiu a primeira estrada terrestre, a Via Ápia. Não havia antes. A partir dessa estrada fez uma rede de estradas que serviu para dar coesão a um Império, criou uma civilização, estabeleceu um Direito e difundiu a Cristandade e a sua mensagem. Foi o que houve para uns irem até outros. Até que os portugueses fizeram a descoberta: só há um oceano. Bartolomeu Dias vê a junção do Atlântico com o Indico, Albuquerque e muitos mais a união do Indico com o Pacifico e faz quinhentos anos Fernão de Magalhães encontrou onde o Atlântico se une ao Pacifico. Era a descoberta: Só há um oceano. Esta é a descoberta dos Portugueses. A partir desse momento foi possível juntar toda a humanidade pelas estradas do mar que, entretanto, os portugueses tinham sulcado. Nas pinturas das naus nos Biombos Namban estão lá retratadas todas as raças da Humanidade vindas da Europa, das Américas, de África, da India, da Indochina, da China. Em terra estão os japoneses. Quem lá está em menor número são os portugueses, mas é deles a Nau, o Comandante, os pilotos e os artificies. Como em ciência para provar a existência de um fenómeno basta uma fotografia não sei para que escrevem livros sobre a primeira globalização. As pinturas japonesas que, por exemplo, estão no Museu Nacional de Arte Antiga têm lá a pintura das primeiras fotografias de toda a humanidade. A Cristandade caminhou nessas estradas. E foi o que havia até que os Americanos iniciaram as estradas do Ar e os Russos as do Espaço Exterior.

    Com as das telecomunicações só há cinco estradas até ao momento e uma tem a impressão digital de Portugal.

    Todas as estradas foram momentos de enorme inovação.

    Quando se pergunta o que é inovação falam horas, mostram estantes, inauguram bibliotecas. Um dia tive que aprender que De Maupertuis na busca de um princípio que englobasse os de Newton, Descartes, Huygens, Fermat, etc. encontrou e publicou o principio do mínimo de acção: “Em qualquer mudança na natureza a quantidade da acção necessária para a fazer é a mínima possível”. Acção em física é a energia multiplicada pelo tempo. É com inovação que encaramos cada mil anos; como era a política há mil anos poucos saberemos, das instituições de algumas saberemos, mas como vão ser daqui a mil anos não nos atrevemos. Há mil anos não se falava português. Em mil anos estabelece-se uma civilização acompanhada com inovação. Decidi ver se não se podia saber distinguir inovação de moda. E tomei agora para mim que há uma inovação seja no que for quando para o fazer se gasta menos acção. Nos outros casos é moda.

    Em medicina é visível que houve e há uma enormíssima inovação. Como nós desde que vives gastamos tanta energia sãos como enfermos, basta medir o tempo para a cura para equilatar, medir a inovação que houve. Quando se mede o tempo para recuperar de 1850 até 1950 há uma diminuição de mil vezes na acção despendida, houve, no entanto, de vez em quando nalguns anos uma surpresa. Por exemplo, há a invenção dos Raio-X e durante uns tempos o tempo no hospital aumenta, há a descoberta dos antibióticos e durante um tempo a acção em vez de diminuir como o faz mais tarde, durante algum tempo aumentou. Então duas enormes descobertas fazem aumentar a acção, o tempo no hospital. Durante algum tempo não percebi porquê até que por um ajuste de curvas às medidas vi que de cada vez que havia uma invenção havia a seguir uma curva que representava o que as matemáticas chamam de curva de aprendizagem. Depois da invenção que é o aprender, tem que se aprender a ser para um dia ser. Os médicos tiveram que aprender a ler as chapas dos Raio-X; os médicos tiveram que aprender a dosear e a escolher antibióticos. Um dos dramas do nosso tempo é que se vocifera que na escola não se aprende nada e, no entanto, aprende-se muito. O que acontece é que se sabe muito, mas ainda não se é nada. E aí é que o sistema falha, não há o escritório para onde ir aprender a ser, não há a fábrica onde se aprende a ser. De tal maneira não há que e até se designam por precários. Depois de acabar de estudar medicina, vai-se até um hospital durante vários anos a aprender a ser médico para depois o ser. Ao acabar com a fábrica, com o contabilista, o escritório, o ofício, deixou de haver os degraus de Aprendiz, Operário (oficial do ofício) e Mestre. Esta é uma causa senão mesmo a causa do declínio porque passamos; os 20 dos 80 ou os 1 dos 50 decidiram acabar com o Homem que tinha Ofício, por um Homem de libré que abre portas e serve cafés. Mas isto é só uma fase. Nós estamos sempre em viagem. O Homem entrópico não passa duas vezes pelo mesmo. De tal maneira que apesar dos 20/80, do conhecimento envenenado, dos limites até onde se pode chegar à verdade pelos gestos, pela fala, pela geometria e pela matemática e sabendo até que a maior parte da vida a faz a adivinhar o homem queria ser capaz de predizer (saber quando não sabe onde ou saber onde não sabe quando), ou melhor ainda prever, isto é, saber quando e onde.

    Os limites da velocidade de luz no vácuo, de Heinsenberg de chegar à verdade pela experiência, de Codell de chegar à verdade pela lógica e de Lorenz de saber com rigor e precisão do instante inicial, impõe-nos que na ciência em vez de leis tenhamos modelos, e em vez de certezas façamos e tornemos numa verdadeira Ciência a Arte de conjecturar.

    O primeiro livro com a matemática da conjectura foi publicado em 1714. Foi censurado até ao final dos anos oitenta do século XX. Metade do livro que foi escrito por Jacob Bernoulli e se intitula “Ars Conjectandi” tem duas partes. Uma é cultural. É a lei dos grandes números. Se tiver todo o tempo para realizar uma medida, a frequência com que ocorre é o acaso de acontecer. Se lançar uma moeda a face para cima ou é cara ou coroa e o acaso é cinquenta por cento. Bernoulli tinha na altura uma vantagem, acaso, chance, sorte e probabilidade não eram sinónimos. O acaso, a sorte, a chance, não fazem parte do nosso conhecimento são uma propriedade dos objectos. Saber que sai caras ou coroas cinquenta por cento das vezes em nada adianta para predizer ou prever qual vai ser o resultado do próximo lançamento. Mas probabilidade no século XVII queria dizer quase verdade. Probabilidade era a medida de quão certo eu estau que algo vai acontecer. É a probabilidade que os meteorologistas utilizam na previsão do tempo. É a medida de qual a certeza que têm que vá fazer sol, nevar, chover, o que for.

    Essa segunda parte do Ars Conjectandi não agradava nada, mesmo nada nem a iluministas e horrorizava os positivistas que garantiram até bem ao final do século XX que bastavam as equações de evolução para sabido o agora, saber o depois, e depois, do depois do último amanhã. Mas é um louvor à ciência que ela tenha descoberto os seus limites.

    No final dos anos oitenta, princípio dos anos noventa do século XX, pelo pensamento de Dempster e Shaffer e, independentemente, um pouco por todo o lado Jacob Bernoulli e o seu “Arte de Conjecturar” foi estudado e a matemática actualizada para a segunda parte do livro censurada pela ciência durante quase três séculos.

    O que Dempster e Shaffer modernizaram foi como medir ou calcular a Probabilidade de observar ou medir o que seja. Os passos são simples: a probabilidade (quão certo estar que algo vai suceder) obtêm-se por combinação de argumentos. A probabilidade fica em condições de ser calculada quando a cada argumento é atribuído um peso. Ao conjunto cujos elementossão os pares argumento e o seu peso é designado por “Belief Systems” (Sistema de Crenças). O meteorologista tem as cartas de superfície, tem as soluções das equações gerais do movimento da atmosfera, tem fotografias de satélites, tem as estatísticas e olha pela janela. Mesmo que todos os outros argumentos lhe tenham indicado que está a chover naquele local não há processo de o meteorologista o afirmar se pela janela vir um dia com sol radioso. O argumento “o que estou a ver” sobrepõe-se ao peso de todos os outros argumentos.

    Então se aplicarmos o sistema de crenças (entidade matemática) (um conjunto de pares de argumento e o seu peso)que se obtém por experiência, dedução, indução, conhecimento, fé, intuição, revelação ao mundo resultam de tudo o que exista o que vamos ter como observável. Na pelicula ou no ecrã dos raios-x eu tenho os mesmos dados que o médico. Mas há um oceano a separar o que ele lá observa e o que eu lá vejo. O objecto é o mesmo. As observáveis são muito diferentes. Tudo depende do sistema de crenças para estabelecer a tal probabilidade que é a medida de quão certo eu estou que algo vai ser observado (acontecer).

    Então as observáveis, os muitos e diversos mundo e Universo estão lá sempre todos, as minhas observáveis dependem do meu sistema de crenças.

    O universo dos acasos dos mundos quânticos tornaram-se um caso particular e ficou claro que uma negociação, que o ajudar a um cliente, a influenciar umas eleições ou quaisquer opiniões hoje que existem de permeio seres fabricados (telecomunicações e computadores) basta que por algum método se influencie, altere o sistema de Crenças do cliente, do observador, do eleitor. Nós, os nascidos, por detrás de um ecrã e de um teclado de computador temos a sensação ou tentação de julgar que somos invisíveis e invencíveis. Aliás é por isso que nas redes sociais fica bem visível a ética de cada um.

    Com a Arte de Conjecturar, as quatro formas de construir medidas do mundo e as cinco estradas que até hoje fomos construindo iremos caminhar para dez mil anos. Da política, das instituições, da ciência e da tecnologia nada é previsível. Só temos que ter uma grande preocupação. Os suportes da informação de hoje porque criámos áreas do planeta onde temos resíduos perigosos por muitas dezenas de milhares de anos, nós temos o problema de garantir que os sinais que hoje lá pomos são entendidos, compreendidos nesse tempo longínquo. É um enorme desafio. Em menos de cinco mil anos quantos somos capazes de ler escrita cuneiforme ou a hieroglífica. Muito poucos. Mas os locais onde estão armazenados detritos nucleares, químicos e biológicos de grande perigosidade têm que ser assinalados de forma compreensível daqui a muitas dezenas de milhar de anos. Mas por essa altura já saberemos andar nas estradas do espaço exterior. Já as mulheres poderão dar à luz e ficarem as Mães e as crianças bem. Viajarão em comunidades com o agregado biológico dos Humanos que vai dos Avós aos Netos. Aliás, só na nossa espécie os avós tomam conta dos netos o que nos dá uma memória de duzentos anos terrestres e a capacidade de colonizar o Cosmos, certamente nos próximos cem mil anos. De há cem mil anos nem vislumbramos política, instituições, ciência e tecnologia sabemos que pelos vales do Coa começávamos o desenho e glaciares foram e vieram para voltar de novo e que há um milhão de anos tínhamos aprendido a ser humanos, a ter a fisiologia para falar, tínhamos a noção que havíamos de aprender a morrer e a morrer, a honrarmos os mortos e a celebrarmos a sua vida eterna. De avós até aos netos iremos em comunidades viajar galáxias, os nascidos, os fabricados e os nado-fabricados e em momentos como os que agora atravessamos em que toda a terra é um hospital lembrar-nos-emos da “oração da manhã” de Vitorino Nemésio:

“Aproveita a palavra que te veio

Reza de vagar

Ajoelha,

Tudo isto vai passar”

Basta que a Humanidade ou o homem em comunidade vá substituindo informação por comunicação. No dia em que comunicação, for comunhão o Homem está no centro da criação. 


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